Estava escuro ainda quando a pequena criança saiu do útero materno. Eram exatamente uma e meia da madrugada. Dizem que essa é uma hora boa de se nascer porque faz com que a infância da criança seja saudável e alegre. Quem diria que isso não se tornaria realidade. Tudo parecia formidável se não fosse a complicação pós parto que fez a gestante falecer.
O pai inconsolável pela perda foi registrar a criança no cartório mais próximo do hospital no dia seguinte e como já não era de se esperar, rejeitou o pedido da mãe da criança de colocar o nome dela de Aline, e simplesmente a registrou com o nome Maria das Dores, pois disse posteriormente que apesar da alegria do nascimento do bebê, nesse mesmo instante trouxe dor aos corações aflitos dos familiares da esposa morta.
Maria das dores parecia perfeita com seus olhos azuis que faziam lembrar os olhos da mãe. Nos seus primeiros dias de vida ela chorava muito com dor de barriga que só passava depois que seu pai massageava após lhe dar chá para beber. As primeiras noites foram difíceis pois faltavam o peito materno pra lhe dar de mamar. A mamadeira pra recém nascidos foi comprada de imediato antes mesmo da menina ser levada do hospital para casa.
Aos oito meses, Das Dores começou a dar seus primeiros passinhos, um mês depois de falar papai pela primeira vez. Todos da casa a admiravam com prazer. Esse foi um acontecimento que guardariam para sempre em suas memórias. Não foi possível fazer a gravação desse momento, pois as condições de seu pai desempregado não permitiam comprar uma filmadora para registrar esse momento.
Tudo mudaria de rumo depois de três anos quando ela sofreu um terrível acidente de ônibus quando viajava com seu pai para a casa da avó em outro município. Foi terrível esse momento. Maria já estava com quase quatro anos. Foi traumático, diria ela quando completou seus dez anos de idade. Naquele dia que o ônibus perdeu o controle e caiu na ribanceira, ela não voltaria nunca mais a sentir suas pernas. Elas ficaram comprimidas entre o seu banco e o banco da frente de onde ela se sentava no ônibus. Com o impacto, o banco se soltou e pressionou a perna dela e fez com que a circulação das suas pernas ficassem impedidas de se realizar. Seu pai, livre ao lado da filha, tentou fazer de tudo para empurrar o banco para frente, mas tudo foi em vão. Precisou mesmo da ajuda do corpo de bombeiros para liberar a criança das ferragens.
A primeira cadeira de rodas foi comprada com muito custo com ajuda de doações feitas por familiares. Maria das Dores ainda não sabia que muito sofrimento ainda vinha pela frente depois que seu pai se casou novamente. Sua madastra era persuasiva e não gostava de crianças. Muitas brigas viriam durante sua adolescência. A parte mais complicada e desesperadora do dia era quando chegava a hora de tomar banho. Sair daquela cadeira imunda e passar para a cadeira do banho era penoso, pois a madastra não a ajudava, pois achava que era um absurdo tratá-la com amor e dedicação com se fosse sua filha. Das Dores não a odiava por isso, só achava que deveria ser tratada com mais carinho pois não era como as outras crianças sem deficiência que nessa idade já tomavam banho sozinhas.
Uma noite teve um pesadelo e como se estivesse acordada se deparou pensando nisso: Tudo passa, eu sei disso. Eu estou passando. Meus quinze anos pesam em meu corpo, na minha alma e no meu espírito. Os dias têm sido penosos. Minha dificuldade de locomoção e expressão me incapacitam de realizar meu desejos e sonhos. Eu tenho dificuldades emocionais. Eu admito. Eu preciso admitir isso. Minha vida não passa de uma mentira com pedaços de verdade construída com pó de defuntos moribundos de uma vida passada que viveram num planeta muito longe da Terra. Sou um ET.
Ela acordou assustada com tais pensamentos tão reais e decidiu que nunca mais dependeria de ninguém. Apesar de sentir o amor do seu pai, isso não era suficiente e decidiu se matar quando completasse dezesseis anos. Ela não sabia se teria coragem e nem como faria isso, mas nunca mais acordou depois das uma e meia da madrugada do seu aniversário.
Muito bom! Um sonho surreal, um momento de desespero que sempre vem acompanhado por algo terrível, no caso a morte. Parabéns.
ResponderExcluirA morte liberta!
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