sábado, 30 de novembro de 2013

O sótão


Há muito tempo não descia as escadas do sótão lá de casa. Esse lugar era o mais visitado por mim quando chegava o verão. Não sei o porquê, mas era no verão em que tudo acontecia naquele lugar. Hoje, resolvi descer novamente. Alguns anos se passaram desde a última vez que pisei neste piso. Os móveis estocados aqui cheiram mofo, e as paredes parecem mofadas com a infiltração de água. Meu pai era um homem simples, mas gostava da casa toda arrumada, sem nenhum problema. Ele mantinha este lugar tão limpo quanto qualquer outro lugar do seu lar. Era impressionante o cuidado com cada detalhe, principalmente da limpeza, que o fazia viver em paz. Recordações passam na minha cabeça, e são tantas que nem me lembro perfeitamente de todas. É apenas vestígios de uma vida que passou por mim e que eu não soube aproveitar. Como tento me esforçar para lembrar mais detalhes daquele tempo que vivia em desespero e não sabia o motivo. Sei que é questão de tempo para tudo voltar à memória, mas há anos não me esforço para lembrar de um momento que foi extremamente difícil. Foi uma vida sem cuidado, menosprezada por não ter o que os outros tinham. Pensava em ser igual. Não sabia respeitar as diferenças e não corria atrás dos objetivos que eu sonhava, ou que simplesmente idealizava. Eu aprendi muito quando mudei de cidade e fui parar num lugar onde ninguém conhecia ninguém. Esta casa ficou aqui, abandonada, mas ainda era a minha casa. Foi neste momento que comecei a pensar sobre minhas atitudes, meus medos e desesperos. Não foi fácil reconhecer o que realmente importava na minha vida. Realmente não foi. Mas parei um dia e algo fez sentido na minha mente. Foi em questão de segundos quando me dei conta que não estava vivendo, mas sim vegetando. Estava num movimento vicioso de esperar as coisas acontecerem sem ao menos agir para superar as minhas dificuldades. Eu estava lá, mas não era eu. Era movido por seres que naufragavam meu ser. Reconheço que poderia ter ultrapassado essas forças externas que me jogavam cada vez mais para baixo. Foi muito difícil conseguir me libertar para viver uma vida mais saudável. Eram espíritos. Acho que era isso. Nunca consegui defini-los muito bem. Muitas vezes pareciam anjos, mas muitas vezes eram demônios que atormentavam o meu pensamento. Eram vozes que me induziam. Quem olhava para mim via uma criatura velha e sem cor.  Era pálido e sem vida. Tudo indicava que eu não ia sobreviver por muito tempo. As energias que me rodeavam me trazia angústia e desprazer. E era aqui, neste sótão, que eu me encontrava. Era o meu canto onde podia entender o que acontecia comigo. Não havia saída para as vozes a não ser aqui neste canto onde me vejo sentado resolvendo as aflições que os espíritos me traziam. Gostava de conversar com os anjos. Eles eram diferentes dos demônios. Nem tão diferentes, mas costumavam trazer cargas de desconfiança maior. Os anjos e demônios eram os dois lados que me envolviam. Quando era criança não conseguia discerni-los, mas agora sei nitidamente quem são e o que querem. Pediram-me para estar aqui, e eu vim. Acho que é a última conversa que teremos, pois os deixarei no passado para que não me atormentem mais. E este é o lugar mais adequado para os guardar, no fundo de todas as experiências pessoais que só eu conhecia. Este é o momento de vencer minhas antigas barreiras e me colocar num patamar que eu terei, eu mesmo, o controle de tudo aquilo que acontece comigo. Acho que me tornei um ser especial, e vou lutar para que os meus olhos ainda vejam as maravilhas que estão por trás das cortinas.